Mulheres a conduzir camiões ou a liderar negócios de quatro rodas é uma realidade cada vez mais comum


Há cada vez mais mulheres a abraçar um mundo que era, até há pouco tempo, terreno quase exclusivamente masculino. Referimo-nos ao setor automóvel, ao interesse pela condução e ao gosto pelas quatro rodas. A alteração acompanha o que se observa um pouco por todo o lado, em todas as áreas, revelando uma tendência expectável e desejável. Ainda assim, não deixa de merecer destaque, tanto mais que a realidade está longe de ser igualitária.

Segundo dados da edição de 2023 do “The Global Gender Gap Report”, publicado anualmente pelo Fórum Económico Mundial, Portugal encontra-se na 32.º posição do ranking global da igualdade de género, tendo descido três posições face ao ano anterior. O relatório pesa as disparidades através da avaliação de diversos indicadores, nomeadamente, a participação económica e oportunidades, tendo também em conta as diferenças salariais, entre outras dimensões. Segundo a análise, que inclui um total de 146 países, são precisos 131 anos para que homens e mulheres tenham, globalmente, condições iguais.

Na União Europeia, a realidade não é muito diferente. Num relatório publicado em 2023 sobre a igualdade de género nos Estados-membros, a Comissão Europeia concluiu que, em 2022, os desafios de longa data relacionados com a participação das mulheres no mercado de trabalho continuaram.

Analisando a realidade portuguesa com mais pormenor, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) observa que, em 2022, a taxa de emprego entre as pessoas com 15 ou mais anos foi de 60,9% para os homens e de 52,6% para as mulheres, com um diferencial de 8,3% a favor dos homens. A CIG lembra que, no âmbito da Estratégia Europa 2020, foi fixada a meta de 75% para a taxa de emprego da população em idade ativa (20 a 64 anos), mas em Portugal, e apesar de essa meta já ter sido atingida pelos homens desde 2017, em 2022, para as mulheres a taxa de emprego situava-se ainda em 74,8%, ou seja, abaixo da meta fixada.

Conduzir um camião no feminino? Claro que sim
Mas se é verdade que há ainda um longo caminho a percorrer no sentido da igualdade de género no mercado de trabalho, é legítimo afirmar que muito tem sido feito. Por exemplo, sabe-se que a indústria automóvel tem sido tradicionalmente dominada pelos homens, e embora tal realidade ainda se mantenha, os números estão a mudar. Segundo dados da Comissão Europeia, em 2019, as mulheres representavam 16% da força de trabalho automóvel, sendo que, em 2021, esse valor já tinha aumentado para 20% e as mulheres são agora ativamente encorajadas a seguir carreiras no setor automóvel em todas as áreas, incluindo design, engenharia, marketing e gestão, ocupando também cargos no mundo dos transportes e camionagem.

Uma das áreas que tem registado evolução é precisamente uma das que costumava ser mais associada ao mundo masculino: a condução de camiões. Com efeito, de acordo com números recentes da Women In Trucking, uma associação norte-americana sem fins lucrativos, destinada a encorajar o emprego de mulheres no setor da camionagem, 13,7% do total de condutores de camiões nos EUA são mulheres. O número pode parecer pequeno, mas, desde 2010, cresceu 88%, o que demonstra como esta área tem vindo a abrir-se cada vez mais ao feminino.

De acordo com a mesma fonte, quase 40% dos cargos de liderança na área da indústria de camionagem nos EUA são ocupados por mulheres, assim como cerca de 35% das funções de chefia sénior.

Força de trabalho e segurança
Olhando para o contexto europeu, e pegando nas estatísticas disponibilizadas pela União Internacional dos Transportes Rodoviários (IRU, na sigla em inglês), ficamos a saber que apenas 3% das pessoas que conduzem veículos pesados são mulheres. Mas talvez seja precisamente aqui, no género feminino, que se venha a encontrar a solução para a crise de recrutamento que se vive no setor.

Com efeito, segundo aquele organismo, em 2022, ficaram por preencher cerca de 600 mil vagas de motorista de camião na Europa, e a estimativa é que, de acordo com as tendências atuais, essa escassez atinja quase dois milhões até 2026. Uma das principais causas para a situação prende-se com o envelhecimento da mão-de-obra, a que se junta a baixa atratividade da profissão junto dos mais novos, já que, em toda a União Europeia, apenas 6% dos motoristas profissionais têm menos de 25 anos. Como tal, há quem defenda que é no recrutamento de mais mulheres para a função que se poderá solucionar o problema.

Entre as diversas vantagens que há na contratação de mais mulheres como motoristas destaca-se a segurança. De facto, vários estudos e análises feitos, ao longo dos anos, comprovam que as mulheres conduzem de forma mais segura e estão menos envolvidas em acidentes, nomeadamente relacionados com o consumo de álcool. De acordo com um relatório do Vias, antigo Instituto Belga para a Segurança Rodoviária, publicado em 2019, as mulheres representam cerca de um terço dos feridos em acidentes graves (34%), em comparação com os 66% protagonizados por homens. Também nos acidentes mortais, as mulheres contam 23% das vítimas fatais em sinistros automóveis, enquanto os homens representam 77% das mortes.

Corações ao Volante

Daniela Oliveira, 36 anos idade, é uma das mulheres portuguesas que há cerca de sete anos contribui para alimentar a ideia de que conduzir camiões é uma profissão sem género. A fazer trajetos internacionais na empresa JMF, deixou para trás uma carreira como cabeleireira e “começou do zero”, como a própria diz, um caminho que tem sido sempre em frente.

Devido a circunstâncias várias relacionadas com a sua vida pessoal, a determinada altura encarou com seriedade a possibilidade de mudar e, mesmo sem saber exatamente o que esperar da profissão, decidiu arriscar. “Não sabia concretamente ao que é que vinha, não tinha ideia se gostava ou não”, conta em entrevista, mas mesmo assim decidiu atirar-se de cabeça.

Questionada sobre a recetividade da família à mudança, diz que não houve qualquer problema, pois “já estão habituados” à sua personalidade. “Quanto às pessoas amigas e conhecidas, aí foi mais complicado”, recorda, e a principal razão prende-se com os preconceitos que ainda existem. “Apesar de estar tudo muito melhor, ainda há muito machismo e eu passei por muitas situações de discriminação, também da parte de colegas motoristas homens”, denuncia.

Também por isto, por querer contribuir para promover a profissão junto de raparigas e mulheres, e combater a discriminação, não hesitou quando foi convidada a dar a cara pela iniciativa Corações ao Volante. Em 2023, esta campanha juntou, pelo segundo ano consecutivo, a associação Corações Com Coroa (CCC) à Ford Trucks, com vista a transformar em donativos os quilómetros percorridos por mulheres motoristas de pesados. A segunda edição do Corações ao Volante contou com o apoio do Banco Credibom para ajudar na luta pela igualdade de género e empoderamento de raparigas e mulheres.

A mecânica da iniciativa era muito simples: as mulheres motoristas de pesados só tinham de se inscrever na plataforma e registar o número de quilómetros percorridos, os quais seriam trocados por ajuda monetária a entregar à CCC. Doze mil e quinhentos euros era o objetivo, o qual “foi rapidamente atingido”, explica Daniela Oliveira, que confessa o “enorme orgulho, alegria e também responsabilidade” por dar a cara pela iniciativa. “Caíram muitas mensagens de apoio e rapidamente atingimos os objetivos propostos, foi instantâneo”, conta, sublinhando que fica de “coração cheio por poder ajudar alguém” e por saber que está a contribuir para “divulgar a profissão junto de mais mulheres”.


Fonte observador

Categoria:Geral

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